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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

“Contar uma história é como dar um presente de amor”


Ainda não tinha me utilizado desse espaço para falar de uma arte que alimenta minha vida, minha alma, minha caminhada por este mundo: a arte de contar histórias.
Abrindo o baú das minhas memórias, lembro que a contação de histórias surgiu em minha vida em meados do ano de 2006 quando realizava trabalho voluntário numa casa que acolhia crianças do interior que vinham para Belém realizar tratamento contra o câncer e outras doenças.
Essa experiência foi marcante em minha vida. Me lembro de cada atividade que desenvolvi lá como se tivesse estado lá no sábado passado. Aprendi tanto, amadureci, me doei e recebi muito também. Ao lembrar das minhas tardes de sábado na Casa do Menino Jesus é quase impossível não sentir um aperto no peito, um nó na garganta e lágrimas escorrerem. Minhas atividades por lá finalizaram por vários motivos. Sinto falta, às vezes me culpo por não ter continuado, mas também aprendi a lidar melhor com as perdas e ganhos das escolhas que faço.
Sempre escutei histórias na infância, minhas avós eram exímias contadoras, natas. Minhas lembranças da infância sempre me trazem em mente os momentos partilhados no Marajó com minha avó paterna, emendava uma história na outra que eu só conseguia entender o final quando ela soltava uma gargalhada ou quando repetia algumas palavras finais como oração, como resignação ou como uma lembrança que talvez nem tivesse vontade de guardar, mas que o tempo deixou marcado...
Contar histórias é uma arte de séculos, antiga e universal. O partilhar de histórias, de sabedoria e aprendizados fundamenta nossa existência e possibilitam trocas, fundamentais entre nós, seres humanos, que temos necessidade de vida em comunidade.
Todos nós, em algum momento, já vivemos sob os encantos de ouvir histórias, sejam elas fábulas, contos, mitos, lendas, romances, etc. Desde a antiguidade, encontramos relatos de povos que utilizavam a voz como forma de transmissão oral de seus ensinamentos. Na antiga Grécia, a memorização de textos orais era uma das habilidades fundamentais a ser desenvolvida. Os rapsodos, como eram conhecidos os que contavam histórias em versos, assumiam uma posição notável na sociedade.
Para os povos africanos, os griots (contadores de histórias), eram considerados como bibliotecas vivas, num povo onde a linguagem oral era a única forma de repasse das histórias de suas origens, valores e sabedorias, podemos perceber a importância desse agente naquela sociedade ao vermos o dito popular africano, "quando um griot morre é como se toda uma biblioteca tivesse sido arrasada pelo fogo".
Na Europa do século XIX foram através das histórias - numa transposição da tradição oral para o campo da escrita -, que se legitimaram identidades dos povos e nações. Através das histórias coletadas em distintas comunidades - ainda campesinas, no início do processo de industrialização daquele continente -, que foi ocorrendo uma conformação linguística e étnica das pessoas residentes em um território, aspectos estes fundamentais para a construção de uma identidade. As histórias uniram os povos.
Assim, os responsáveis pelo repasse das tradições orais eram tidos como pessoas de grande importância, ocupavam lugares de destaque, eram queridos e respeitados em suas comunidades.
E nós, amazônidas? Qual a importância da contação de histórias na nossa região, na nossa cultura?
Nossos mitos, lendas e "causos" despertam os mais diferentes sentimentos e identificações nas pessoas. O imaginário amazônico está na raiz de um povo crente, de um imaginário riquíssimo habitado por botos, cobras grandes, iaras, uirapurus, matintas... O imaginário, as histórias e as crenças do povo do norte não só causam identificação como em certas localidades direcionaram a ação dos povos ribeirinhos, que obedecem à lógica do tempo na floresta, respeitam a natureza e com ela se comunicam... Como já dissera Paes Loureiro, "...porque somente a imaginação consegue ultrapassar os horizontes. Foi a boiúna que, ao agitar-se, fez o barranco ruir; o curupira fez o caçador perder-se na mata; a iara fez afogar-se de sedução aquele que, aparentemente, não tinha razões para morrer no rio; a tristeza não veio da alma, mas do canto da acauã" (nota) .
Quem não pensou duas vezes antes de banhar-se em um rio nas "horas grandes" (00:00, 12:00, 18:00) com medo de ser encantado por um Boto ou uma Iara? Ou não cumprir com o "prometimento" do café e tabaco para a Matinta Perera? Ou ainda pensar que a qualquer momento a Cobra Grande, que mora embaixo da Basílica de Nazaré, possa despertar de seu sono e afundar a cidade com um simples remexer de seu corpo?
Hoje, vivemos em outros tempos, antes sempre havia uma pessoa na família que embalava o sono das crianças com as histórias. Hoje, devido a inúmeros fatores, poucas famílias conservam este momento mágico. Então quem tem as chaves para abrir as portas do mundo de encantamento e continuar a perpetuação de histórias como "O Curupira", "As Amazonas", "A festa no céu", "O ganso de ouro" e outras que nem podemos imaginar por quantas bocas passaram?
Ouvir e contar histórias é doar o que temos de melhor no coração, revela o cuidado que temos com o outro, através de um conto podemos sentir emoções, viajar para tempos e espaços diferentes, descobrir outros jeitos de ser e sentir, agregar, trocar afetos, nutrir, encantar, enfim, ouvir a voz da diversidade que tantas vezes fica além dos muros dos espaços educativos, quantas vezes impedimos que as histórias de vida, ou as narrativas que abrigam o imaginário se perpetuem em nossa sociedade pós-moderna?

Rodrigo Grilo e Andréa Cozzi
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Nota 01: Loureiro J. P. "Tradição, tradução, transparências". Somanlu Revista de Estudos Amazônicos. Manaus. PPGSCA – UFAM, ano 2, n. 2. pp 117-126. 2002.

domingo, 11 de setembro de 2011

Dançar é preciso...


"Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar muito além"
Paulo Leminski

Esta semana tive minha primeira aula de danças urbanas. Bem, primeiro por que resolvi fazer aulas de dança?
Estou num momento de muitas decisões, responsabilidades, com muitas tarefas para dar conta. Não reclamo das responsabilidades assumidas, estas, queria-se ou não, são frutos do meu trabalho e resultado da minha dedicação as atividades que me proponho a realizar. Posso ter todos os defeitos do mundo, mas ao longo dos anos venho aprendendo a levar meus projetos até o fim. Porém, não é fácil. Tenho uma amiga que me define muito bem ao dizer que tenho alma de artista, que só realizo as coisas quando elas me envolvem de tal maneira que me arrebatam por inteiro. Apesar de poético, isto nem sempre é bom. Nem sempre tudo que fazemos é prazeroso, não fazemos só o que queremos e nem tudo é interessante o tempo todo, e nessas situações precisamos de equilíbrio.
Voltando ao que ía falar, nesse contexto de excesso de atividade percebi que precisava de uma atividade pra relaxar, espairecer, me libertar, e então, nada melhor do que a dança. Sempre gostei de dançar, na época de escola, de vestibular, fazia dança de salão pra relaxar depois de voltar do cursinho, me sentia tão bem, tão leve... Percebi que precisava disso novamente...
Procurei as danças urbanas, ou melhor, o hip hop por ser um tipo de dança de muita movimentação, de liberação de energia, do corpo, de você mesmo. É uma dança que exige atitude e percebi isso na primeira aula. Nos exercícios que nos foram propostos a ideia era de movimentação do corpo sabendo que ele é todo conectado, que o movimento de uma parte do corpo se relaciona com outra e assim, devemos perceber como nasce um movimento do corpo antes de ser um passo de dança. Isto ficou na minha cabeça durante a aula e até agora aqui escrevendo no blog.
Assim como temos uma forma de nos expressar na escrita e oralmente nosso corpo também tem uma forma de se expressar, nosso corpo fala! Sempre fui muito seguro na minha fala, acho que falar demais me ajudou no aprimoramento, bem, escrevendo também não sou tão mal, recebo alguns elogios na universidade (que nada a ver isso), enfim, engano bem escrevendo, talvez seja até a forma que mais me mostre mesmo, me sinto mais eu escrevendo do que falando e no caso, agora, dançando.
Percebi que sou muito travado na dança, ainda não conheço meu corpo, suas potencialidades e limitações de movimento e que não me sinto a vontade pra me permitir isso, debaixo do chuveiro talvez, mas na aula ainda não :p
Acredito que para além de ser um momento de relaxamento, a aula de dança será um desafio no sentido de permitir esta fala do meu corpo. Somos livres, temos muitas potencialidades, só precisamos nos permitir. Nossa personalidade também se faz presente nos nossos movimentos e pensando nisso, vejo que preciso me possibilitar erros e acertos. Assim como escrevendo e falando me preocupo muito com o outro, com o olhar e o julgamento do outro, na dança ocorre o mesmo receio. Apesar de não ser uma pessoa tímida, o olhar do outro é algo que me incomoda, me desconcerta e com isso não me mostro de verdade.
Bem, estou empolgado com a dança e vejo que ela contribuirá na busca por superação de limites que talvez eu mesmo me imponho, vamos lá, dançar é preciso...

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Minha Aruanda


As narrativas amazônicas sempre estiveram presentes em minha vida. Lendas e histórias do encantamento da Ilha do Marajó se fazem presente em minhas memórias com as histórias contadas por minha Avó nas férias escolares de julho. São poucos os momentos que me lembro, mas como são gostosos de rememorar... O boto, o respeito pela mãe d'água e a permissão que tínhamos de pedir antes de nos banharmos, a mulher chêrosa (bem paraense) e sua sedução que arrastava qualquer um para a praia do mata fome, a cobra grande e seus três fios de cabelo, o toco que passava bem no meio do rio Paracauari em contracorrente a maré anunciando alguma morte ou coisa ruim naquelas águas... Fecho os olhos e todas essas histórias e lembranças me vem em mente, estão vivas, fazem parte de mim.


Histórias e lembranças que não me saem da cabeça, que chegaram a mim através da oralidade e que depois redescobri nos livros. Ao ler Aruanda de Eneida de Moraes pela primeira vez, senti como se tivesse reencontrando e ao mesmo tempo descobrindo raízes. Como a identificação foi imediata com aquelas palavras, com aquela doçura no contar das suas lembranças da nossa tão amada terra. Eneida me ensinou a enxergar o que antes apenas via na realidade desta tão amada terra; Belém e seu cotidiano, seus personagens, sua gente, seus cheiros e suas cores... Encontro nos textos de Eneida um porto. Suas lembranças tornaram-se minhas; todos são próximos, como esquecer de sua amiga Clócló, dos momentos vividos na prisão durante a revolução de 30 juntamente com suas companheiras, do seu irmãozinho sem talento para o futebol mas um campeão na natação, da ânsia pela volta do pai depois de longas viagens por estes rios da Amazônia, voltando gordo de histórias para alegar os jantares em família.

Aruanda é um livro que me fez redescobrir minha infância e minhas memórias e me fez valorizar minha história, meu amor pela minha terra, pela Amazônia Das lembranças de Eneida construo agora minha Aruanda, com minhas histórias, meu passado e meu presente e meu agora, com as minhas memórias, eu existo!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O eu e os outros eus... aqui!

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXIX"
Heterônimo de Fernando Pessoa

A vida é sempre um recomeço...


Aqui se inicia mais uma tentativa de manutenção de um blog. A primeira se deu nos tempos idos de aulas de teatro, no qual cada aula era uma novidade e eu adorava compartilhá-las. Entretanto, a rota contramão do ônibus e a convivência com pessoas que já se consideravam quase que estrelas da novela das oito me levou a desistência do teatro e do blog também...

Hoje retorno com o mesmo objetivo: utilizar este espaço virtual como um diário de bordo, no qual deixarei marcadas minhas experiências, boas e ruins, estimulantes e frustrantes... A vida é múltipla, vamos nos permitir!
Ao mesmo tempo, não é novidade para quem me conhece a minha inconstância tantos nas ações como no mundo das ideias. Antes de agir crio tantas conjecturas que me canso, resolvo dormi e acordo já sem nenhum compromisso com o que tinha pensado ou feito antes.

Porém, ao pensar no recomeço deste blog me vem à mente o filme Julie & Julia (2009) de Nora Ephron. Julie & Julia mostra a história de vida de duas mulheres separadas pelo tempo, mas que compartilham de algo em especial: cozinhar mudou suas vidas.

Julia Child (interpretada por Meryl Streep) vai morar em Paris com seu marido embaixador. Arrisca-se em vários projetos de vida sem saber o que realmente quer, até que seu marido lhe sugere fazer a coisa que mais gosta de fazer no mundo: comer e cozinhar. Cozinhar e posteriormente a escrita de um livro de culinária, se tornam a razão de sua vida. Mais de 60 anos depois, sua paixão pela arte culinária influencia Julie Powell, uma entediada e frustrada funcionária pública. Julie levava uma vida cansativa, estressante e sem muitas alegrias. Sua vida muda completamente quando junto com seu marido tem a ideia de reproduzir durante 365 dias as 524 receitas provenientes do livro de Julia Child, “Dominando a arte da culinária francesa”.

Bem, Julie Powell, era jovem insegura, inconstante, dramática e com dificuldades de levar os planos para frente. Ao escrever o blog, sua vida mudou. Essas características de Julie podem ser facilmente identificadas em qualquer jovem com até 40 anos hoje. Nunca pensei ser  único, nem meus dramas e problemas os maiores do mundo e também não acredito que o blog irá mudar minha vida, nem cozinhar e hoje, nem mais as artes dramáticas...
Minha vida não é um roteiro de cinema, bem, pelo menos por enquanto...